2 de fev. de 2012

O Maneirismo na Lírica de Camões.- Parte III.

O DESTINO INEXORÁVEL

Ah! Fortuna cruel! Ah duros Fados!
quão asinha em meu dano vos mudastes!
Camões

Na poesia camoniana, o destino, a fortuna ou o fado são denominações dadas para designar uma mesma força obscura, malévola e caprichosa que governa a vida do homem e à qual este não pode escapar.
Maria Vitalina Leal de Matos considera de suma importância para a compreensão geral da obra camoniana que se tenha uma percepção alargada da dimensão e da importância que o poeta atribui ao Destino, bem como do significado deste em sua obra.
Sob várias denominações – Fortuna, Fado, Ventura, Má Estrela, Sorte –, o poeta culpabiliza o Destino inexorável pelas conjunto de situações adversas que “se conjuraram” para fazer da vida dele uma trajetória de dor, de infelicidade e padecimentos contínuos. Assim, na lírica e no canto épico de Os Lusíadas, Camões desabafa, queixa-se, questiona e tenta compreender incessantemente “a razão de ser daquilo que o espanta. Por que sofrer tanto? Por qual razão os males se acumulam e a Fortuna se encarniça contra o poeta retirando até um malévolo gozo da sua desdita?” [...] Por que é que as coisas são tão contrárias àquilo que deveria ser? [1]Por que “as Estrelas e o Fado sempre fero /com meu perpétuo dano se recreiam?”[2]
Tais questionamentos ficam sem resposta, restando a Camões apenas o espanto perante a sua infelicidade e a certeza de que

“Verdade, Amor, Razão, Merecimento
qualquer alma farão segura e forte.
Porém Fortuna, Caso, Tempo e Sorte
têm do confuso mundo o regimento”.[3]

A dor de viver camoniana aparece reiteradamente em sua lírica associada às adversidades causadas pelos “tiros / da soberba Fortuna; / soberba, inexorável, importuna”, pela qual é subjugado e arrastado à perdição, ao despojamento de todo o bem, restando-lhe apenas o bálsamo da morte: 

Posto me tem Fortuna em tal estado,
e tanto a seus pés me tem rendido!
não tenho que perder já, de perdido;
não tenho que mudar já, de mudado.
Todo o bem pera mim é acabado;
daqui dou o viver já por vivido;
que, aonde o mal é tão conhecido,
também o viver mais será ´scusado.
Se me basta querer, a morte quero,
que bem outra esperança não convém;
e curarei um mal com outro mal.
E, pois do bem tão pouco bem espero,
já que o mal este só remédio tem,
não me culpem em querer remédio tal.

Pouco afeito à poesia de cunho religioso, Camões não segue pelas trilhas de muitos poetas seus contemporâneos que, perante as ciladas da Fortuna e as adversidades da vida, buscam na religião a resposta e o refúgio para as suas dores. Se o sentido da vida como luta extenuante desperta em sua alma um anseio de libertação através da morte, ele não a deseja ou aguarda como promessa de bem-aventurança no Paraíso celeste, onde a utopia católica fincou os seus alicerces.
Para o poeta, a morte afigura-se como libertação da dor de viver, deseja-a porque para “o mal” que o atormenta “este só remédio tem”.
O pessimismo, a postura melancólica, o desengano e a profunda dor de viver, que atravessam grande parte da produção poética camoniana, são traços definidores do maneirismo, no qual se inscreve o poeta.
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Notas.
[1] Maria Vitalina Leal de Matos, “O homem perante o destino na obra de Camões”, in: Ler e escrever- Ensaios. p. 67.
[2] Luís de Camões, Canção IX, est. 5.
[3] Id. Ibidem, v. I, p. 242.
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Zenóbia Collares Moreira. O Maneirismo na Poesia Lírica de Camões. Natal/2007.

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