2 de mai. de 2011

Maria Alberta Menères, Maria Amélia Neto, Maria Teresa Galveias,

 




MARIA ALBERTA MENÉRES



Poetisa, ficcionista e tradutora nascida em Vila Nova de Gaia, foi casada com o poeta Ernesto Emmanuel de Mello e Castro, com quem organizou e publicou a Antologia da Poesia Portuguesa –1940-1977. tradutora, tem vasta colaboração em jornais e revistas literárias. Foi diretora do Departamento de Programas Infantis e Juvenis da Radio televisão Portuguesa (1975-1986). Além da sua obra poética, escreveu uma considerável quantidade de livros infanto-juvenis. Com o seu livro Água Memória, recebeu o prêmio Giacomo Leopardi, ao qual seguiram-se outros, como : Prêmio Especial de Teatro Infantil da Secretaria de Estado e Cultura, (1979); Grande Prêmio Calouste Gulbenkian de Literatura para Crianças (1986), dentre outros. Como poetisa, revela uma aguçada consciência do mundo e é a este que procura desvendar, interrogar e captar seus mistérios.



RELEVOS

Onde o calor tortura o linho

e uma lenta erupção mastiga o tempo

lembro-me doutras coisas tantas coisas

de que me vou esquecendo



Dodecaedro e só por dizer dode

dedo me ocorre e me socorre

dedo por dentro cheio de mistério

por fora a porta que na unha dorme



Um pisar leve de não acordar

os homens que no mundo vão dormindo

Um talher luminoso Uma cadeira

A hora mais provável do sorriso



Coritibandos não são pregos

mas podem ser mais que pisados

À noite as vozes quando saltam

provocam sinos como passos



Sua poesia acompanha de perto a prática experimentalista dos anos sessenta sem, no entanto, desprezar outras formas de estar na criação poética. Assim, obedecendo quiçá uma sua tendência ao ecletismo, tanto deambula pelo terreno da poesia experimental, quanto se aventura por caminhos mais tradicionalistas, nos quais encontra o soneto e, nele, a forma perfeita para libertar o seu insubmisso lirismo.



Verte rosas teu rosto vês mudado

no tempo resto de tecíveis horas

Teu sentido ou cuidado tido dado

por ti de quem não sabe como foras



Amor porquê no circo só ferência

Alguém de alguém não disse lei nem quando?

Mata-me tanta vez quanta violência

É violeta ou é letra desviolando



Luminados assombros sombras iceis

Por onde Amor? Por onde que remorsos

Nascem dos dedos harpas retangíveis?



Verte rosas teu rosto vês possíveis

um a um tuas lágrimas dos nossos

dias mal soletrados e ilegíveis



A poesia de Maria Alberta Menéres não se constrói enquanto projeção de um estado subjetivo. Seu olhar incide sobre o que está além do seu eu social ou individual, invade as fronteiras de um imaginário transfigurador da realidade. Como outros poetas de sua geração, faz da meta-poesia um dos mais ricos momentos de reflexão poética, daí dizer: As folhas dos livros não abanam/ como as folhas das árvores/ ao sopro do meu pensamento./ E no entanto a aragem deveria ser esquiva/ e infiltrar-se por entre as palavras/ com manhas de lagarto/ estirando-se ao sol de todos os sentidos.



MARIA AMÉLIA NETO


Nasceu em Montijo, a 30 de outubro de 1928. Poliglota, trabalhou como tradutora e como secretária. Manteve-se sempre à margem de grupos e revistas literários. Desde o ano de 1960 vem publicando livros de poesias, que lhe angariam prestígio no meio literário pela indiscutível qualidade do que escreve. Jorge de Sena, referindo-se à obra da poetisa, chama atenção para a sua “dicção hierática e solene, quer no verso curto, quer no verso longo”, a que se somam “uma viva sensibilidade visionária, uma contida melancolia solitária”, postergando para um plano secundário a expressão quase despojada de emoção, o empobrecimento das imagens pelo uso de metáforas banais, animando-os de subterrânea e insólita intensidade[1].



MEDITAÇÃO SOBRE SÍSIFO



Vi-o de novo,

pela alquimia ancestral da solidão.

De novo se afundou no tempo

A pergunta desde sempre murmurada,

E o fogo crepitou suavemente

E queimou, uma a uma,

As horas da noite.



Trazemos na retina a eternidade.

Da aurora

Conhecemos os sinais,

Os planetas adormecidos,

O rio coberto de junquilhos mortos.

Do resto do tempo

Conhecemos o orgulho,

A lucidez desumana,



A tela por pintar

E o ruído subtil do medo.

Aprenderemos a crescer ao lado das roseiras?

A saciar de sol a demência do vazio?

A destruir as velhas raízes?

Fluido, fluido é o cerco da solidão.



O AREAL

Só há areia

E um céu demasiado lúcido.

A transparência intacta feriu o nosso cérebro,

Mutilou os nossos pensamentos,

Fez nascer violetas de fogo no silêncio.

Arrastados pelas torrentes de luz,

Alagamos de solidão os nossos olhos.



Nem silvados, nem pauis,

Nem o pulsar do álamo.

É necessário continuar,

Mas quem descobre o rumo na areia?

Escutei vozes e nem uma conhecia o caminho,

Inventei vultos para me fazerem companhia,

E todos mantiveram os olhos cerrados.

Se eram cegos, porque me sorriam?

E porque havia nos seus dedos

A sugestão da cítara?

E porque me apontou um deles

Um flamingo, um cipreste, um lago,

Que os seus olhos não viamE que os meus tinham começado a imaginar?



A poetisa não se integrou na Poesia 61, seguindo uma linha pessoal, alheada das propostas poéticas relacionadas com a meta-poesia, a questão de gênero e a discussão acerca da identidade feminina. Anti-lírica, a emoção e o sentimento estão submetidos a um filtro intelectual que conduz com rigor os versos dos poemas. Sua linguagem é a do despojamento sentimental.



MARIA TERESA GALVEIAS


Poetisa nascida em Alcobaça, em 1932. Depois de casada, passou a residir em Lisboa.embora desde muito jovem tenha começado a escrever, só veio a publicar o seu primeiro livro de poesias– Fronteira - em 1959, o qual, sendo considerado a melhor obra estreante do ano, foi galardoado com o primeiro prêmio de originais do S.N.I. A poetisa já vinha obtendo prêmios em sucessivos “Jogos florais” realizados em diversas cidades portuguesas e das Ilhas açorianas, além de inúmeras menções honrosas. Suas poesias estão incluídas na Antologia do Prémio Almeida Garrett, editada pelo Ateneu Comercial do Porto. Depois da publicação de Fronteira, escreveu outros livros, dentre os quais Uevu (Ouçam), em 1968.

A seguir, poemas do livro Fronteiras, no qual as poesias são percorridas por um sopro de refinada religiosidade, de sutil moralidade, de apelo por uma paz, fruto de reflexões da poetisa acerca da violência que abala o mundo dos homens, subjugados pela insanidade das guerras:



PROMESSA



De cada céu cruzado

E metralhado,

Por projécteis de fogo e de mistério;

De cada mar sulcado

E penetrado,

Por engenhos sem forma nem destino;

De cada mundo violado

E desmembrado,

De cada olhar sem fé,

Nem luz, nem brilho

É que há-de renascer outro Deus – Filho!



SIBÉRIA



Prenderam-lhe nos pés,

Sem sequer ser julgado,

Uma ignóbil cadeia de grilhetas,

E nos seus olhos calmos, juvenis,

Como um clarão foi lida uma vendeta!

Não sabe se regressa nalgum dia,

Prisão sem grade a neve que o encerra,

A mãe o espera, a noiva o imagina,

Sem lar nem cruz,

Só prisioneiro de guerra.



Em todas as poesias de Fronteira, o discurso de Maria Teresa Galveias surge sempre impregnado de um pessimismo que transita por seus versos, plasmado pelo viés de uma impessoalidade que não deixa entrever a mínima fração do interior do “eu-poético”. Este assume-se como o aporta-voz do tédio e da agonia (nos enche a alma toda de amplidão / no esboço dum bocejo), do niilismo que recobre toda a esperança (procuro ainda, e os meus passos vão / em torno da verdade projectada, / somente os olhos cegos de amplidão / querem cerrar-se em nada) de quem, melancolicamente conclui, que no final da travessia existencial, na “fronteira” que separa as duas realidades do homem – a vida e a morte – este só tem uma certeza: a da sua finitude na vida terrena. O resto é indagação e nada mais, pois como ela adverte:



Quem fez a travessia não voltou

Que outro mundo é lá

E a vida finda.

Deste lado sabemos o que existe,

Triste daquele

Que tenta ainda.



No poema Revelação, depois de fazer todo o inventário das coisas que cantou em seus versos – natureza, o universo, Deus e o homem – conclui que nada disto, “nada foi poesia”, nem poeta era ainda. Pois, como “revela” no fecho do poema: Só quando tu vieste, meu amor / trazendo em ti um cântico diverso / É que nasci poeta em cada verso.



[1] Jorge de Sena, Líricas portuguesa, vol. II, p. 409.



Zenóbia Collares Moreira. O Itinerário da poesia feminina portuguesa. Cap. II.



CONTINUA

Um comentário:

Canto da Boca disse...

Eu estava atrás da biografia e de poemas das poetas/poetisas Maria Alberta Menéres e Maria Amélia Neta, cheguei ao seu blogue, e vi no seu perfil, que és uma Collares, eu também sou. Voltarei mais vezes para ler seu blogue, fazes um excelente trabalho, parabéns!

;)