Poetisa contemporânea, Marta Paes participou do II Festival de Poesia de Vila Nova de Foz Côa, realizado em 1985. Sua poesia trilha pelas veredas da expressão do desejo (a intemperança gulosa da libido), da paixão que move o corpo e o incendeia (a remota ânsia de que o fogo se não apague), as evocações da fruição do amor carnal (a tontura do riso, na provocação neurótica / a volúpia do corpo no instante), desenvolvendo-se, portanto, em consonância com poesia de cunho erótico, tão do gosto da lírica contemporânea feminina. Da antologia Tempo Migratório, colhemos as poesias de Marta Paes que vêm a seguir:
CIO DA VÉSPERA (FRAGMENTO)
1.
O apetecido gesto do corpo
sai da escuridão na gargalhada,
a intemperança gulosa da libido.
não perceber o ardor, meu desejo.
Trago no seio a carícia ofertada
refúgio de vegetar nas teias de aranha.
2.
Na sede... a hipótese da crisálida.
O rosto multiforme
a incapacidade da molécula impulsiva.
Ninguém advinha
a remota ânsia de que o fogo se não apague.
3.
Não direi
do grito da subida terminada
da mordidela na almofada
da coxa galopada
nem da montanha afogueada.
Não direi mesmo nada...
5.
A tontura do riso, na provocação neurótica
a volúpia do corpo no instante.
Porque na rotina, a insuficiência convicta e lenta.
Do acto... o esquecimento, pela rejeição metódica.
Do gesto percebido, o inevitável!
Conhecimento do limite.
6
Falta, pela memória, a faculdade da resistência,
Mais valera
estar fechada no corpo irritado,
recurso do sentido que desiste na procura.
7.
a imagem estilhaçada na agonia de não
tocar a pele
de mim toda reflectida no cio da véspera
onde a ânsia se começa na idade germinal
e o corpo sobrepõe ao racional, o desejo.
Porque da idéia a vontade do gesto primeiro,
Ou da oferta a necessidade do auge.
RITA OLIVAIS
Poetisa nascida em Lisboa, no ano de 1938, Rita Olivais fez a sua estréia literária em 1987, com o livro de poesias Pausas num Silêncio. As poesias reunidas nesse livro trazem uma espécie de “novo romantismo” entremeado se uma discreta sensualidade, já presente na obra de poetas que estrearam na década de 70, mas que encontrara espaço para a sua permanência na poesia das décadas que se seguiram, disputando com o realismo quotidiano a preferência das poetisas:
VITRAIS
Dizes que os meus olhos ficam verdes
dor da erva doce onde me deitas;
Dizes que os meus olhos ficam loiros
cor do areal onde me deitas;
Dizes que os meus olhos ficam negros
Quando em noites brancas não me entrego;
Dizes que os meus olhos são azuis
quando já não espero e me possuis.
Então
eu sou a cobra que assobia
se enrola, cola e te asfixia;
Então
eu sou a leoa que magoa
te morde, ataca e não avisa.
Depois
tu és o cisne que desliza
vencido,
no meu corpo amanhecido.
SEXTETO
És a flauta que estonteia
o trompete irreverente que destoa
o violoncelo displicente que vagueia
pela noite de um nocturno que magoa
guitarra tão doída que soluça
violino tão doce que arrepia
e sax tão sexy que me aguça
o despudor de fugir da harmonia.
DEMISSÃO
Hoje
pela primeira vez
envelheci.
Hoje
pela primeira vez senti
que já não era a primeira vez.
Hoje
pela primeira vez
a criança morreu-me nos braços
e a canção na garganta.
Hoje
pela primeira vez ambicionei
estabilidade e fixação de planta.
Hoje
pela primeira vez
criei laços com a minha estátua.
ROMÃ
Abri uma romã
Entre o horror e o fascínio
de um útero de súbito a descoberto,
sacudiu-me um vómito de prazer
e atirei-me a ela.
Desfi-la. Desfiz-me.
Depois
Tudo voltou harmoniosamente
Ao seu lugar
Num esplendor incrível de nudez.
A expressão do erotismo e da sensualidade ainda faz parte dos interesses de muitas poetisas, mas já não tem o vigor que a revestira na década de 70.
Autora: Zenóbia Collares Moreira. Ensaios.
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