12 de nov. de 2010

A Consciência do Pecado e o Anseio de Perdão


Meu Deus por mim à cruz oferecido, 
Alembrai-vos da vossa piedade 
Tão larga em perdoar, e tão antiga. 
(Frei Agostinho da Cruz )

Relacionados ao tema do desengano, surgem outros de teor religioso, indicadores da atitude poética penitencial a que se impunham os poetas mais sensibilizados pela lição haurida nas concepções religiosas dimanadas de Trento. São eles os temas da contrição e do exame de consciência, amplamente desenvolvidos na poesia lírica maneirista. 
Aguiar e Silva sublinha que, a partir da conscientização acerca da “enganosa vanidade da vida”, os maneiristas passam à prática de uma poesia pautada nos rigores do catolicismo pós-tridentino e influenciada pelo visão de mundo neoplatônica, prodigalizando as exortações “ao abandono do mundo e das suas seduções, acentuando de modo obsidiante que tudo o que é terreno é fugaz, evanescente e causa de pecado e perdição eterna”.96 Os poemas de contrição, resultantes do desengano, levam os poetas a confessarem as suas culpas e o seu arrependimento pelos erros praticados, ao mesmo tempo em que suplicam a misericórdia e o perdão de Deus. 
Fernão Rodrigues Lobo Soropita confessa, com grande carga emocional, os seus erros e a sua fraqueza perante a difícil tarefa de regenerar-se, procurando, então, no amparo da misericórdia de Deus, a ajuda de que carece: 

Sou aquele doente que perece 
Paralytico já desconfiado 
De que o mundo seu também se esquece, 
E se por vós não for remediado 
Esta fé que assi seca está comigo 
Irá também por preza do pecado. 97

Frei Agostinho da Cruz dirige a Jesus crucificado um soneto no qual desfia o seu rosário de culpas e apelos de remissão para os seus pecados: 

Perdoai-me, Senhor, que se faltar 
Pôr os olhos em Vós crucificado. 
O menos que de muito tenho errado 
Noutros maiores erros me lançara. 
[...] 
Meu Deus por mim à Cruz oferecido, 
Alembrai-vos da vossa piedade 
Tão larga em perdoar, e tão antiga.98

Pedro da Costa Perestrelo escreveu um livro, As lições de Job, inteiramente dedicado à poesia religiosa, tematizando reiteradamente ao longo de suas páginas as mais variadas formas de expressar o seu arrependimento e o seu desejo de expiação para as suas faltas: 

Perdoai-me, Senhor, pois não são nada 
Os breves dias meus nesta peleja, 
Da vida, consumida, e acabada. 99

Diogo Bernardes abre o seu livro, Várias rimas ao Bom Jesus, com um soneto dedicatório no qual deixa bem explicitada a sua intenção de, com seus versos, mover a consciência dos pecadores para que chorem arrependidos a sua culpa. Esse veio temático ensejou uma proliferação de poesias de exaltação a santos que exemplificam a prática da contrição e da penitência, como Santa Maria Madalena, eleita por uma quantidade expressiva de poetas, para louvações à sua conversão, arrependimento e penitência, após uma vida de perdição. 

Tal luz à Magdalena alumiava 
(Fermosa desd’então, dantes tão feia) 
Que não lhe pareceu ser casa alheia 
Aquela, onde o Senhor de tudo estava. 
[...] 
na terra jaz lançada, está regando 
com lágrimas as plantas do Senhor, 
a cuja sombra colhe doce fruito.
Muito lhe perdoou, porque amou muito; 

E muito mais lhe deu depois, que amou 
Em lágrimas de dor se foi banhando.100

O mesmo interesse despertou a dor do arrependimento de São Pedro por sua traição a Cristo. Diogo Bernardes assim refere às “lágrimas” do apóstolo: 

Depois que Pedro viu como negara, 
Três vezes a seu Mestre, e a seu Senhor,
[...]
Tamanha dor sentiu, tamanha afronta 
O miserável velho em si tornado, 
Que não fez mais nada da sua vida conta 
Senão pera chorar o seu pecado. 101

O desejo de alcançar o perdão de Deus para as faltas cometidas e, através do arrependimento e da contrição, alcançar a bem-aventurança de uma vida eterna na glória do Senhor, configura-se como um fervoroso anseio de elevação espiritual, nascido da ânsia de infinito, do desejo de fugir das amarguras causadas pelas misérias do mundo e da própria alma pecadora, para o gozo de uma outra forma de amor transcendente e divino. 
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96 Id. Ibid., p. 312. 
97 Fernão R. Lobo Soropita, Canc. Fernandes Tomás, fl. 66. 
98 Frei Agostinho da Cruz, Obras, p. 19 
99 Pedro da Costa Perestrelo. Op. cit., p. 01. 
100 Frei Agostinho da Cruz, Obras, p. 10-11. 
101 Diogo Bernardes, Obras Completas, vol. III, p. 61
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Zenóbia Collares Moreira. A Poesia Maneirista Portuguesa. Natal: EDUFRN, 1999 (Todos os direitos reservados).

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