18 de abr. de 2012

O Drama Existencial de Ana Augusta Plácido- Ensaio. Parte I.



Nasceu Anna Augusta a 27 de setembro de 1831 no Porto, filha do negociante António José Plácido Braga e de D. Anna Augusta Vieira. Aos dezessete anos, conheceu Camilo Castelo Branco em um baile, por quem se sentiu atraída e cortejada. Encantado com as formas e o espírito desenvolto da jovem, o escritor logo declara a um amigo ser aquela menina vestida de branco a sua “mulher fatal”. A obsessiva paixão de Camilo, que arrastaria Anna Augusta a trinta anos de caminhada através de uma dolorosa via crucis, tem portanto um começo romântico, imortalizado nos versos que o romancista escreve depois:

Quando te vi n’um baile, ó flor aberta às auras,
Qual donzel medieval, pudibundo corei
Eu, vago scismador de legendárias Lauras,
                                               Erguer a ti o olhar só mal e a furto ousei!

Reprimida em seus arroubos românticos pelo pai, dois anos depois, Anna Augusta é levada a um casamento de conveniência com um rico comerciante do Porto, com idade para ser pai da noiva. Depois de cinco anos de vida cinzenta junto o marido, Anna Plácido inicia um romance às escondidas com Camilo.. Após dois anos, já com um filho gerado adulterinamente, abandona o casamento para unir-se ao amante, na época poeta e romancista iniciante.
Aquele baile inscreve-se na vida de Camilo e Ana como uma espécie de armadilha forjada pelo destino adverso que propiciara o encontro de dois seres fadados a seduzirem-se, mutuamente, de forma irreversível. Se a imagem de Anna nunca escapou ao pensamento de Camilo, com ela deu-se o mesmo, conforme ela mesma o confessa em uma das suas “Meditações:
“ Mulher sou hoje. Posso falar assim com a prematura velhice da experiência e da desgraça. Acordada aos dezessete anos, fixei a aurora do meu caminho com o seio aberto a todos os rigores da vida, a todas as expansões amorosas que se me abriam na imaginação noviça. Em uma sala de baile, no meio do esplendor das luzes e do aroma rescendente de mil vasos entumecidos de flores, uns olhos disseram-me ao coração “vive” – um sorriso fez-me estremecer todas as fibras que estavam intactas. Diluiu o tempo muitas idéias jubilosas de ante-amanhã deste dia, desfizeram-se muitas impressões da infância destas que ficam sempre gravadas n’alma; os anos correram morosos na tempestade, a vereda oscilou em vulcânicas convulsões; mas esta visão primeira do amanhecer, aquele olhar caído em seio virgem, jamais pôde ser esquecido!...”[i]
Audaciosa, Anna Augusta parte em busca de uma nova possibilidade fora do casamento, não se importando em afrontar o falso puritanismo da preconceituosa sociedade oitocentista, movida por valores burgueses e a força coercitiva e punitiva da lei.
Mulher avançada para a sua época, ousa transgredir os limites que lhe são impostos pelo grupo social. Após retumbante escândalo público, dois anos depois de ter abandonado o casamento, Anna Plácido, sob a acusação de adultério, levantada pelo marido traído e indignado, é mandada para a prisão numa cadeia do Porto em 1860, onde aguardará o julgamento. Quatro meses depois, Camilo entrega-se voluntariamente à prisão. O escândalo atingiu dimensões catastróficas para o casal tanto na sociedade como na vida em comum. Decorrido quase um ano de cárcere, o casal foi levado a julgamento público, absolvidos e postos em liberdade.
Se o julgamento da sociedade foi implacável com Ana Plácido, não era menos radical o conceito em que esta gozava no espírito da escritora, como fica bem evidente no trecho das suas “Meditações” dado a seguir:
“A sociedade é tão irônica, tão impiedosa e vingativa, que eu mesma, quando a defino, tenho medo que caia sobre mim um anátema não menos implacável e amargo que o meu cálice de peçonha. [...]. Ó sociedade, porque te assombras e ofendes, quando o desgraçado te despreza? Como eu te vejo asqueroso, e repugnante, mundo! Os grandes esmagam os pequenos, os poderosos são insolentes quando a desfortuna lhes estende a mão, e o gênio do mal saboreia o pasto que tu lhe ofereces. Que horas estas, meu Deus!”[2]
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NOTAS
[i]Ana Augusta Plácido, “Meditações” in Luz coada por ferros, 2ª edição, Lisboa, Officinas typográphicas e de encadernação, p. 94.
[2]Id. Ibidem, p.119-120.
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Autora: Zenóbia Collares Moreira
Imagem: foto de Camilo , Ana Plácido e o filho mais velho.

CONTINUA,,,

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