O desejo do homem ocidental é criar um mundo racionalista, programado, sem conflito, onde cada coisa e cada ser tenha uma função. Toda vez que o homem e a mulher tendem a se afastar desse mundo racionalizado e criar o seu próprio, mais espiritual, é porque está havendo uma crise. O mito é, então, retomado. Mas tal afastamento é punido porque coloca, no plano sociológico, a organização em perigo. E na retomada do mito o final conduzirá sempre à morte
No contexto português, História e Literatura estão interligadas. Prova maior são as Crônicas de Fernão Lopes, responsável, através de seu estilo literário, por páginas que não apenas contam fatos, mas mostram o poder de criação de sua linguagem
É em Fernão Lopes, na Crônica de D. Pedro I, que vamos buscar uma possível semente para o mito de Inês de Castro. A Crônica se inicia com o reinado de D. Pedro, estando Inês, portanto, já morta
A morte de Inês aparece na Crônica penetrada de um julgamento feito quase cem anos após o fato. E todos são responsabilizados. Ao isentar Diego Lopes da culpa, transfere-a ao Infante ampliando a escalada em direção à glorificação que se segue. O amor, entretanto, apesar das condenações implícitas ou explícitas ao rei D. Pedro, é fortemente plantado.
“...semelhante amor, qual el-Rei Dom Pedro ouve a Dona Enes, raramente he achado em alguuma pessoa, porem disserom os antiigos que nenhuum he tam verdadeiramente achado, como aquel cuja morte nom tira da memoria o gramde espaço do tempo. E se alguum disser que muitos foram já que tanto e mais que el amarom, assi como Adriana a Dido, e outras que nom nomeamos, segumdo se lee em suas epistolas, respomdesse que nom fallamos em amores compostos, os quaes alguuns autores abastados de eloquemcia, e floreçentes em bem ditar, hordenarom segundo lhes aprougue, dizendo em nome de taaes pessoas, razoões que numca nenhuuma dellas cuidou; mas fallamos daquelles amores que se contam e leem nas estorias, que seu fumdamento teem sobre verdade. Este verdadeiro amor ouve el Rei Dom Pedro a Dona Enes como se della namorou...” ( Ob. cit., cap. XLIV, p. 199 )
De acordo com Roland Barthes, estas obras não poderiam ser aceitas se não houvesse uma motivação que revelasse não tratar-se de pura lenda. E esta motivação existia: mostrar que na história de Portugal houve um casal cujo amor foi tão grande quanto o do casal mítico, conforme Fernão Lopes o fez.
Dessa forma já se pode apresentar um quadro com as sementes primeiras para a criação de alguma coisa ainda não bem delimitada, mas que já se vê origem de coisa maior.
De acordo com Roland Barthes, estas obras não poderiam ser aceitas se não houvesse uma motivação que revelasse não tratar-se de pura lenda. E esta motivação existia: mostrar que na história de Portugal houve um casal cujo amor foi tão grande quanto o do casal mítico, conforme Fernão Lopes o fez.
Dessa forma já se pode apresentar um quadro com as sementes primeiras para a criação de alguma coisa ainda não bem delimitada, mas que já se vê origem de coisa maior.
GARCIA DE RESENDE, com suas Trovas à morte de D. Inês, escritas no início do século XVI, assinala a introdução do mito de Inês de Castro na literatura portuguesa.
O romance infeliz de Inês e Pedro tem todas as características próprias do mito do amor-paixão. Inês e Pedro colocava em perigo a organização social, contrariando as regras de parentesco que regiam os matrimônios das casas reais. Com isso, colocavam-se contra os interesses do Estado. E o amor de Inês levou-a à morte em razão de, no plano sociológico, por a organização do grupo em perigo.
Garcia de Resende, em suas Trovas à morte de D. Inês, nos oferece uma versão lírica da história, mostrando a fatalidade do amor como obra do destino e a intensidade do sofrimento:
Conheceu-me, conheci-o,
quis-me bem e eu a ele,
perdeu-me, também perdi-o;
nunca té morte foi frio
o bem que, triste, pus nele.
Os nobres que falam ao rei Afonso IV, aconselhando-o a matar Inês, assemelham-se aos barões que, no mito, de instigam o rei Marke contra Tristão e Isolda.
Assim como os arbustos se entrelaçaram por cima dos túmulos, no mito de Tristão e Isolda, simbolizando o amor eterno, os túmulos de Inês e Pedro estão colocados um em frente ao outro, no mosteiro de Alcobaça, em Portugal. Segundo a tradição, no dia do Juízo Final, quando os dois amantes se erguerem, encontrar-se-ão, frente a frente, mostrando que o amor persistiu durante séculos, que os amantes estarão juntos por toda a eternidade..
Garcia de Resende introduz Inês na literatura, acentua na arte a valorização da Inês histórica. Sua morte, que supostamente havia sido uma derrota e humilhação para tudo o que ela representava, começa a servir de instrumento para a subida de Inês, para a sua mitificação. A semente do mito, lançada por Fernão Lopes, frutifica. Inês é a única personagem nomeada, como se só ela importasse. Todos os outros permanecem Rei, Príncipe, Conselheiros. E, se o importante é Inês, há, neste caso, uma inversão de valores. Rei, Príncipe, Conselheiros, não nomeados, são meros representantes de suas classes. O que fica claro é que o poeta dera início a um processo de construção lírico-mítica da personagem. Na realidade, o poeta é consciente do poder do discurso literário: Inês, que diz ter sido a morte o prêmio de seu amor, não morre. Seu prêmio fora a glória de estar no poema, de passar a ser texto, de ter iniciado um caminho fora da história. Era a previsão clara do poder, que só alguns possuem: Inês, o poder de virar tema além do tempo, sempre criatura nova nas mãos do criador.
Ainda no século XVI, António Ferreira retoma a história de Inês de Castro, escreve e publica a tragédia Castro. Assim, de personagem lírica na obra de Garcia de Resende, Inês virou personagem trágica na peça de Ferreira. A inês que morre por amor é transformada naquela que morre por Razões de Estado. Mas como se dissociarem as duas coisas? Para os seus matadores, Inês era a perigosa mulher que causaria danos à dinastia no poder. Para Inês, o amor do Príncipe justificava tudo. Se para uns ela é a perigosa ameaça ao príncipe que reinará depois de D. Pedro, para outros ela é a vítima e não ameaça. António Ferreira mostra que Inês é a vítima da Razão de Estado. E sua peça é desenvolvida neste sentido.
Até aqui, com as “Trovas”, de Garcia de Resende, e a “Castro” de António Ferreira, a Inês foi lírica e dramática, com o episódio de Inês de Castro em Os Lusíadas, de Camões, ela foi, ao mesmo tempo lírica e dramática. Ela teve o seu prêmio, a glória, em Garcia, teve o reconhecimento de sua inocência em Ferreira. Mas foi, indubitavelmente, com Camões que Inês de Castro alcançou o esplendor, o ápice de sua fortuna literária e mítica.Nesta obra, Inês move-se em busca de sua felicidade, confirma o destino trágico e encontra a morte. No final do ato IV, o coro diz palavras que anunciam a perenidade do nome de Inês:
Já morreu Dona Inês, matou-a Amor;
Amor cruel! se tu tivesses olhos
Também morreras logo. Ó dura morte,
Como ousaste matar aquela vida?
Mas não mataste: melhor vida, e nome
Lhe deste do que cá tinha na terra
O romance infeliz de Inês e Pedro tem todas as características próprias do mito do amor-paixão. Inês e Pedro colocava em perigo a organização social, contrariando as regras de parentesco que regiam os matrimônios das casas reais. Com isso, colocavam-se contra os interesses do Estado. E o amor de Inês levou-a à morte em razão de, no plano sociológico, por a organização do grupo em perigo.
Garcia de Resende, em suas Trovas à morte de D. Inês, nos oferece uma versão lírica da história, mostrando a fatalidade do amor como obra do destino e a intensidade do sofrimento:
Conheceu-me, conheci-o,
quis-me bem e eu a ele,
perdeu-me, também perdi-o;
nunca té morte foi frio
o bem que, triste, pus nele.
Os nobres que falam ao rei Afonso IV, aconselhando-o a matar Inês, assemelham-se aos barões que, no mito, de instigam o rei Marke contra Tristão e Isolda.
Assim como os arbustos se entrelaçaram por cima dos túmulos, no mito de Tristão e Isolda, simbolizando o amor eterno, os túmulos de Inês e Pedro estão colocados um em frente ao outro, no mosteiro de Alcobaça, em Portugal. Segundo a tradição, no dia do Juízo Final, quando os dois amantes se erguerem, encontrar-se-ão, frente a frente, mostrando que o amor persistiu durante séculos, que os amantes estarão juntos por toda a eternidade..
Garcia de Resende introduz Inês na literatura, acentua na arte a valorização da Inês histórica. Sua morte, que supostamente havia sido uma derrota e humilhação para tudo o que ela representava, começa a servir de instrumento para a subida de Inês, para a sua mitificação. A semente do mito, lançada por Fernão Lopes, frutifica. Inês é a única personagem nomeada, como se só ela importasse. Todos os outros permanecem Rei, Príncipe, Conselheiros. E, se o importante é Inês, há, neste caso, uma inversão de valores. Rei, Príncipe, Conselheiros, não nomeados, são meros representantes de suas classes. O que fica claro é que o poeta dera início a um processo de construção lírico-mítica da personagem. Na realidade, o poeta é consciente do poder do discurso literário: Inês, que diz ter sido a morte o prêmio de seu amor, não morre. Seu prêmio fora a glória de estar no poema, de passar a ser texto, de ter iniciado um caminho fora da história. Era a previsão clara do poder, que só alguns possuem: Inês, o poder de virar tema além do tempo, sempre criatura nova nas mãos do criador.
Ainda no século XVI, António Ferreira retoma a história de Inês de Castro, escreve e publica a tragédia Castro. Assim, de personagem lírica na obra de Garcia de Resende, Inês virou personagem trágica na peça de Ferreira. A inês que morre por amor é transformada naquela que morre por Razões de Estado. Mas como se dissociarem as duas coisas? Para os seus matadores, Inês era a perigosa mulher que causaria danos à dinastia no poder. Para Inês, o amor do Príncipe justificava tudo. Se para uns ela é a perigosa ameaça ao príncipe que reinará depois de D. Pedro, para outros ela é a vítima e não ameaça. António Ferreira mostra que Inês é a vítima da Razão de Estado. E sua peça é desenvolvida neste sentido.
Até aqui, com as “Trovas”, de Garcia de Resende, e a “Castro” de António Ferreira, a Inês foi lírica e dramática, com o episódio de Inês de Castro em Os Lusíadas, de Camões, ela foi, ao mesmo tempo lírica e dramática. Ela teve o seu prêmio, a glória, em Garcia, teve o reconhecimento de sua inocência em Ferreira. Mas foi, indubitavelmente, com Camões que Inês de Castro alcançou o esplendor, o ápice de sua fortuna literária e mítica.Nesta obra, Inês move-se em busca de sua felicidade, confirma o destino trágico e encontra a morte. No final do ato IV, o coro diz palavras que anunciam a perenidade do nome de Inês:
Já morreu Dona Inês, matou-a Amor;
Amor cruel! se tu tivesses olhos
Também morreras logo. Ó dura morte,
Como ousaste matar aquela vida?
Mas não mataste: melhor vida, e nome
Lhe deste do que cá tinha na terra
A “LINDA INÊS “ de LUÍS DE CAMÕES
Entre tantos que trataram o tema de Inês de Castro, CAMÕES mostra a arte mais lírica e estabelece com o leitor um contato tão emotivo que tem atravessado o tempo. Ele, com a sua força de gênio, mostra o “O caso triste e dino de memória,/ Que do sepulcro os homens desenterra” , fazendo-o parte da história de Portugal, situado, portanto, no tempo e no espaço. Camões a introduz no episódio já com qualidades que criam um clima de piedade e simpatia para ela. Era a infeliz, sem defesa. Contudo, depois de morta foi rainha. São dois extremos, assim, o que comparamos em Inês: a “mísera e mesquinha ”mas também a “rainha”, embora depois de morta. E o fato de introduzi-la já morta traz um elevado estado de tensão emocional que permite ao poeta mascarar possíveis Razões de Estado porventura responsáveis pela morte de Inês. Para Camões, é o amor o motivo principal da morte de Inês:
Tu só, tu, puro Amor, com força crua,
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
O poeta dirige suas palavras ao deus do amor e ao sentimento amor ao mesmo tempo. E torna-se claro, então, que o clima pretendido é o da Razão do Amor. Através do tratamento “tu” para o Amor e para Inês, Camões iguala-os num mesmo nível- Inês é o próprio Amor.
As diferenças encontradas no episódio camoniano se fazem sentir em dois pontos principais: quanto a Inês, que é puro amor, e quanto ao Rei. Este determina a sua morte e, depois, quer perdoar-lhe. Até aí tudo igual. Mas ela é violentamente atacada antes que o Rei possa atuar. E é nisto que o Rei camoniano difere dos de Resende e Ferreira. Entre o querer perdoar a Inês e a morte desta não há palavra alguma, como se não lhe tivessem dado a oportunidade de salvá-la. O Rei não a entrega aos algozes, eles a tomam.
Evidentemente o poeta toma o partido de Inês: se Razões de Estado houve, ela, inocente, não as provocou. É uma Inês que ama integralmente, que ama com o mais puro amor, a que morre. Nenhuma menção aos Castros, às intrigas. Respira-se amor do princípio ao fim .
Que os corações humanos tanto obriga,
Deste causa à molesta morte sua,
Como se fora pérfida inimiga.
O poeta dirige suas palavras ao deus do amor e ao sentimento amor ao mesmo tempo. E torna-se claro, então, que o clima pretendido é o da Razão do Amor. Através do tratamento “tu” para o Amor e para Inês, Camões iguala-os num mesmo nível- Inês é o próprio Amor.
As diferenças encontradas no episódio camoniano se fazem sentir em dois pontos principais: quanto a Inês, que é puro amor, e quanto ao Rei. Este determina a sua morte e, depois, quer perdoar-lhe. Até aí tudo igual. Mas ela é violentamente atacada antes que o Rei possa atuar. E é nisto que o Rei camoniano difere dos de Resende e Ferreira. Entre o querer perdoar a Inês e a morte desta não há palavra alguma, como se não lhe tivessem dado a oportunidade de salvá-la. O Rei não a entrega aos algozes, eles a tomam.
Evidentemente o poeta toma o partido de Inês: se Razões de Estado houve, ela, inocente, não as provocou. É uma Inês que ama integralmente, que ama com o mais puro amor, a que morre. Nenhuma menção aos Castros, às intrigas. Respira-se amor do princípio ao fim .
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