20 de fev. de 2013

Os planos e a permanência do mito (ParteIII)



Vamos procurar relacionar os diversos planos do mito procurando um paralelismo com os dois grandes temas. Em todos os planos nota-se uma tentativa de fugir às regras pré-estabelecidas, ganhando o tema amoroso maior evidência.

Plano sociológico – o casamento feito nos moldes feudais é levado ao ridículo ( tanto o do velho Marke, quanto o de Isolda, a de Brancas Mãos). Mas, por outro lado, há uma punição: Tristão e Isolda que se afastaram demasiadamente da sociedade, não dando a sua contribuição ao grupo, são levados à morte. Embora lutando contra os casamentos feitos nos moldes feudais, o mito não poderia abençoar, literalmente, o adultério.
Plano religioso – o mito está preso à heresia pelo uso de símbolos ( a espada da castidade, o filtro do amor, o julgamento divino, a virgindade de Isolda, a das Brancas Mãos) e pelo final que vai levar a uma purificação, pela posição excepcional dos amantes como seres privilegiados, pelo amor eterno simbolizado pelos dois arbustos que se entrelaçam por cima das sepulturas.
É com referência aos planos religioso e sociológico que o mito atinge sua dimensão máxima: relação entre “homem – grupo social – amor”. O final é bivalente, tanto no plano sociológico quanto no religioso. Há uma punição nos dois planos através da morte.Entretanto, por trás do sentido literal dessa morte, devemos buscar um segundo sentido. À primeira vista, parece que o mundo criado por Tristão e Isolda é bem menor que o mundo feudal; contudo, se dermos abertura no sentido cósmico dessa fuga, veremos que o mundo deles é muito maior, pois com seu amor eles conseguiram ultrapassar até os limites impostos pela morte. E no plano religioso, através da morte, os dois amantes alcançam a Luz, o Amor.
È a partir da interpretação simbólica que o mito terá sua força. E para mostrar que ele tem um valor universal e para confirmar a opinião de Lévi-Strauss de que os mitos são transformações de outros mitos, relacionamos Tristão e Isolda com outras narrativas e com outros mitos:
1-como Moisés, que tem seu nascimento marcado, Tristão perde o pai antes de nascer e a mãe logo ao nascer;
2- como Teseu, que devia matar o Minotauro devorador de virgens, Teseu mata Morholt para libertar a Cornualha de um tributo de 500 virgens de 15 anos;
3- como Ulisses ao voltar de Tróia, Tristão é também um homem solitário que parte em uma embarcação, levando somente a sua harpa e sua espada;
4- como Èdipo, que imolou a Esfinge que tirava a vida dos homens de Tebas, Tristão mata o dragão que devorava uma virgem por dia;
5- como na Chanson de Roland, na Demanda do Santo Graal e no Cantar de Mio Cid , Tristão também tem uma espada que é somente sua – individualização das espadas;
O item 2 e 4 referem-se a um dos temas centrais da literatura cavalheiresca e prendem-se a rituais de iniciação célticos: os celtas, no momento da puberdade, deviam realizar uma façanha para adquirir o direito de se casarem. É este o tema essencial da poesia de amor cavalheiresco: o jovem herói libertando a virgem. O motivo sexual está sempre subjacente, mesmo quando o agressor é um simples dragão. .Este tema é inesgotável, está presente nas narrativas até os dias atuais.

No tema amoroso temos:

 1- Punição da mulher adúltera, motivo abordado desde as narrativas bíblicas: Isolda deve ser entregue a um bando de leprosos;
 2- O homem não é livre, pois seu destino é determinado por forças ocultas: através do filtro, Tristão e Isolda iniciam um destino alheio à vontade deles;
3 - Desejo de morte, persistente na civilização céltica, pois ela trará uma purificação;, sendo também característica dos místicos árabes que reverenciavam o amor platônico e morriam de amor;
 4- Assim como Lançalot, n’A Demanda do Santo Graal, não podia achar o vaso sagrado porque não era puro, assim também Tristão e Isolda deviam morrer porque pecaram contra a castidade;
5- Assim como Adão e Eva, no Paraíso, estavam próximos à natureza, Tristão e Isolda do mesmo modo vivem três anos na floresta, na pobreza, mas felizes.
O mito tem, pois, um valor universal porque se todas as culturas desenvolvem discursos muito particulares e notavelmente homólogos entre si, que são os mitos, há fundamento para se reconhecer nisso os frutos de um mesmo espírito humano.


A PERMANÊNCIA DO MITO

Todas as características do mito que foram vistas até agora fornecerão as regras do amor cortês que serão exploradas nas cantigas de amor da Idade Média. Elas permanecerão, com algumas modificações, de acordo com o contexto sócio-cultural das épocas em que o mito será retomado, nos séculos XVI, VII, XIX e XX. E essa recriação será possível porque o homem ocidental está sempre revivendo a história de Tristão e Isolda, pois se acha no sentido latente dela.

CONTINUA

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